segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Fim de Caso





- Tudo bem. Mas, antes de ir tenho algumas coisas pra te dizer.
- Ai, Carlos, sinceramente, a gente já disse tudo o que tinha para dizer você já me magoou não me deu valor e ....
- E você é uma mulher muito sensível, muito inteligente, bonita, estudou fora e não precisa passar por isso e etc. Já sei.
- E é verdade. Você pode estar zombando porque é um tosco. Mas, esta é a verdade. Dá licença. Pode ir. Está piorando as coisas. Vamos terminar assim, com uma certa dignidade.
- É que eu não falei tudo. E sendo você uma pessoa que como você mesma diz a “defensora do direito supremo da expressão e do diálogo” não vai me negar este que é meu último pedido: uma fala. A minha percepção das coisas. Posso?
- Claro. Pode falar.
- Você acha que engana a quem?
- Não entendi?
- Realmente não descarto nenhuma das suas qualidades. Até colocaria outras. Mas, no fundo você não gosta de ninguém. Atenção! Não estou dizendo amar, pois isto seria mais profundo, demandaria mais tempo. Gostar apenas. Você não gosta de ninguém.
- Isto é um absurdo. E tudo que eu já fiz pelo nosso relacionamento? Principalmente, nos últimos temos? Faça-me o favor. Não preciso lembrar que foi você que passou a sumir nos últimos finais de semana, me deixou sozinhas e... Bem, não quero mais falar sobre isto. Vou apenas te escutar. Prossiga, seja rápido e vá embora.
- Vou embora. Mas, não vou ser rápido. Tudo o que você fez? Em três meses?  Do jeito que você fala parece que somos casados há trinta anos. Ok, eu dei umas vaciladas e te deixei dois fins semana e um feriado sozinha. Aliás, você contabilizou tudo muito bem. É estranho que alguém tenha todos os podres do outro tão vivos e tão bem contabilizados. Será que é para usar num momento propício? Não me importa, porque pra mim o pior mesmo é sua cara de alívio. Peraí, deixa eu terminar. Você sente alívio quando um dos seus ficantes ou namorados pisa na bola.  Eles te dão munição para terminar. Está pálida? Bem, você enganou os outros trouxas. Saiba que você nunca me enganou. Você nunca esteve realmente preocupada com meus sumiços. Você se sente entediada. Aliás, nos últimos 10 anos você sequer se interessou de verdade por alguém.
- Carlos, onde você quer chegar com estas insinuações. Quer reverter a situação? O culpado é a vítima? Ih, tá perdendo tempo.  Eu não caio nestas manipulações. Se este é seu objetivo, sinto muito....
-Sente nada. Você não sente nada. A única pessoa que você gostou, amou, se interessou ou coisa que o valha foi aquele italiano.
- Deixa o A. fora disso. Você está sendo ridículo.
- Por que? A verdade te incomoda? Não, querida, a verdade não te incomoda. Incomoda a você saber que existe alguém no mundo que não é tão burro assim e descobriu seu segredinho. Você finge. Finge para você mesma que está interessada em alguém. Que quer namorar alguém, que quer encontrar um grande amor. Mentira. Você quer um outro A. E sabe que isto é impossível. Se diverte, ou aplaca um pouco a carência afetiva ou sexual, se sente menos só com alguém. Mas, logo se entedia. 
- Você está doido.
- Você sabe que não. Você fica com raiva sim, mas é pela falta de respeito em geral, pela falta de nobreza e sentimentos maiores que deveram existir na humanidade. Para você é tudo uma questão de princípios. E não por sentir algo pelo infeliz do seu lado. Sim, você tem nobreza. O detalhe é que você pensa que não fere as pessoas. Você fere mais ainda. Gostaria que você visse seu olhar de tédio, de reprovação. Sua cara de “eu mereço coisa melhor”. Acredito que nos primeiros dias – digo dias, não semanas – você de verdade pensa que vai poder se interessar por alguém. Mas que nada. Você nunca se interessa por ninguém.
- Você está criando uma pessoa que não sou eu. Eu fria e calculista? Bem que eu gostaria.
- Acredito que você não perceba. Mas diga rápido o nome de alguém que você realmente achou ruim ter perdido. Eu deveria ter filmado isso. Longos segundos sem resposta. E mais: você não está nem aí para ser amiga dos seus ex. Você adora seus amigos e por isso jamais teria sequer uma noite com eles. Você separa muito bem as coisas: Se você gosta de um cara ele é seu amigo. Se você o admira então sem dúvida o cara é seu professor ou um intelectual, que você nunca perderia o prazer da conversa ou daria a menor brecha para que não fosse respeitada. Beijo, sexo, intimidade física com estes caras? Nem por um breve instante. Você pode até jogar um charme por esporte, para dar um confere, para rir da cara de bobo dele, mas além disso,  eu duvido. E se alguém me dissesse que você me traiu eu nunca acreditaria.
- Uau, eu nem sou tão pérfida assim. Que bom!
- Você jamais daria este mole. Nunca daria a ninguém o prazer dizer que você teve um comportamento menos nobre. Alguém te julgar? Acho impossível. Você é honesta, justa e não mente por questões filosóficas. E também porque nada paga este olhar triunfal que diz “Viu seu fraco. Caiu na primeira tentação. Seu fracote. E eu? Viu como sou virtuosa”
- Carlos, você está delirando. 
-Confessa. O que vale mais para você uma vingacinha boba, machucar o outro com uma infidelidade banal ou um com aquele olhar de superioridade. Fala a verdade.
-  O olhar, claro.
- Além disso, você já está com alguém para curar uma carência. Aguentar outro chato na sua vida? Não, esta não é você. Aliás, ninguém tem que ter medo de ser traído sexualmente por você. Afetivamente, é outra coisa. O cara já entra corno. Porque você ama outro. Ama um fantasma.  
- Quando você fez este curso de psicologia por correspondência que eu nunca soube?
- Bem, estamos no campo da ironia. Melhor que o do desprezo. Bem, melhor do que aquela falsa concordância, seguida de suspiro e sorriso amarelo, com voz doce: “que interessante!”. de aí que você carimba na testa do sujeito: IMBECILÓIDE.  Eu nunca tive sua admiração. Tive seu olhar , no começo. Imagino os idiotas que imaginaram que você estava se importando com eles quando se dizia muito decepcionada.  Ou você acha que não escutei aquela sua conversa na cozinha com a Helena sobre não lembrar ao menos o nome de um ex-ficante que você encontrou no Congresso. Não querida, não precisa dizer que é pela quantidade. Sei que você não teve muitas pessoas. É pelo desprezo mesmo que estes caras te causam. Você despreza todo mundo. Isso dói. Você acredita mesmo que ninguém percebe? Percebe sim. Não diz, mas sabe que algo está errado. Agora me diga como você se sentiria ao lado de uma pessoa que em cada livro sobre sexo, erotismo, viagens ou poesia tem uma foto do ex. Aliás, você não está gostando muito do  Max Weber, né? Nos livros dele não tem nada. O mais chato mesmo foi pegar o livro de letras de canções do Chico Buarque. Teu ex marca a canção “Eu te amo”. Bela foto do casal se beijando. Muito óbvio.  Você tem alguma foto minha no celular? Não estou nervoso não. Deixa eu terminar. Não quer que eu vá embora logo? Então deixa eu te provar que não há mocinhos nem bandidos aqui. Eu não sou o único culpado por este breve relacionamento não ir adiante.
- Bem, é que....
- Continuando, porque eu também quero terminar isto logo.
- Você sente tanto perder seus “amores” que você simplesmente deixa de falar com as pessoas. Assim, normalmente.  E nem vem dizer como eu sei porque além de ver acontecer você  já falou que fez isso. Se as pessoas começam a te incomodar, ou se tem um se mostram conservadoras ou retrógradas, você simplesmente pára de falar com as pessoas como se elas nunca tivessem existido.
-É verdade. Mas não faço isto apenas com homens com os quais tive relacionamento. Faço com todos. Mulheres, homens, colegas... do jeito que você e coloca parece que faço isto com  ex.
- Engraçado, você diz que quer aprender a ser orgulhosa, pois “é um ser desprovido de orgulho”, que é muito boba e blá, blá, blá....  Tá querendo enganar, quem? Você é muito orgulhosa. Basta que pisem no seu calo. Antes disso, tudo bem. Lembra aquela vez que formos a uma feijoada na casa do sua amiga Cris? Sim, uma das raras vezes que você bebeu? Pois é, eu escutei atrás da porta. Feio, baixo e desprezível?  E daí?Escutei.  Fiquei feliz em saber que eu não era nem o velho, nem o gordinho, nem o bom de cama sem diploma pois estes eu sei que você “morre de nojo”. Interessante que você nem cita o nome dos caras. Ah! A parte que eu mais gostei foi aquela que você disse estar caminhando com o então namorado e ter encontrado uma amiga do curso. Morreu de vergonha por estar com... Como você disse mesmo? Ah, “Um ser inferior”.  A senhorita ‘Igualdade’ me surpreendeu. Eu imagino quando você “aprender” a ser orgulhosa... 
-Você está distorcendo as coisas. Deixa eu explicar.
- Não precisa. Eu só gostaria que você soubesse que sua indiferença mal contida dói. Sua repugnância mal disfarçada é terrível. Sim, sim, você nunca deixou de ligar quando prometeu, nunca chifrou ninguém, nunca fez isto ou aquilo. Mas de verdade, além destas coisas consideradas certinhas, você já gostou realmente de alguém?  
- Nossa como eu sou megera. Continue.
-Sabe,  gosto mais de você assim. Fria, dura, sincera. Impaciente para se ver livre desta pessoa insuportável. Esta é você. Aquela pessoa adorável, gentil, que vai para cozinha fazer o melhor macarrão do mundo quando a gente chega do futebol é a outra.
- Agora eu sou esquizofrênica? Hilário...
- Burra você não é. Você já entendeu perfeitamente onde quero chegar. Antes que eu terminasse o raciocínio já estava entendido. Esta sua astúcia e inteligência estratégica me deixam exasperado. É isto mesmo. Sua melhor parte, também existe, também é real. Mas está guardada para poucos. Você era assim com o A. Pra mim ou outro qualquer foi teatro. Você é ótima atriz. Você pode ter tentado. Eu posso ter sido otário por também não ter tentado te atrair. Mas de verdade, eu só percebi que eu nunca signifiquei nada para você há pouco tempo.  
- Carlos, chega. Eu concordo com você em algumas coisas. De fato eu não gosto de muitas pessoas. Mas, eu sempre tentei gostar de alguém. Algumas pessoas só tem de mim o desprezo. Você eu respeito. Eu só não quero um relacionamento, pois não damos certo. Eu queria que você tivesse se esforçado um pouco mais. Sinto muito por não ter guardado as fotos. Acho, de verdade, que elas deveriam estar no fundo do baú. Agradeço seu alerta. Você está errado ao pensar que eu não quero viver o amor com outra pessoa. Eu amei muito o A. há tempos só guardo dele boas lembranças e quero que ele seja feliz. Eu acredito firmemente em princípios e não concordo com certas coisas. Você errou em sumir e dar desculpinhas baratas.  Se eu não te dei o que você queria tampouco você foi legal comigo. Espero que você trate melhor sua próxima namorada. Não sei se isto importa agora, mas eu realmente me interessei por você. Achei que seria diferente. Sim, muitas vezes eu estava com alguém por medo da solidão e sem tem algumas pessoas que me são totalmente indiferentes, você não está neste grupo. Quero que você seja feliz e aceite minha amizade. No mais você acertou em algumas coisas, mas no total exagerou. Você sabe que não sou uma pessoa fria e calculista. Se em alguns momentos errei, te peço desculpas. Você desabafou e eu já disse como você me magoou. Está tudo certo. Agora te peço: Por favor, me deixe só.
No outro dia...
-Amiga, então o Carlos falou isso tudo? Tô bege. Eu não sabia que ele era tão sensível e percebia as coisas tão bem!
- Helô, até pensei em pedir para voltar. Imagina um hétero sensível! Mais raro que mico leão dourado... Porém...
- Bateu aquele orgulho, né! Não seja boba, pede para voltar.
- Que orgulho nada! Eu lá tenho orgulho? Nem sei o que significa esta palavra. É que eu fui varrer a casa e achei meu diário em baixo do sofá. Sim, eu mantenho este hábito estranho. Ele simplesmente leu tudo e juntou com alguma coisa que escutou....
- Ufa! Ainda bem. Já estava preocupada. No dia que os homens começarem a descobrir nossos segredos mais bem guardados a coisa vai ficar muito ruim. Mas, a pergunta que não quer calar: Você gostava ou não do Carlos?
- No começo. Depois, tudo igual... Um tédio! Não via a hora dele me dar um motivo para terminar...