domingo, 17 de abril de 2011

Intimidades...




“De dinheiro, mas não dê intimidade” – ditado mineiro.

Domingo. Quase uma da tarde. Valéria na cozinha fazendo macarrão. Também tentando curar uma ressaca sem precedentes. Entra no ‘namorido’*
– E então você acredita mesmo que o gosto musical pode ser um empecilho para um relacionamento.
– De novo isto, Pedro? Claro que sim. A música diz muito sobre a personalidade e o modo de vida da pessoa. 
– E você continua achando que o ‘Roupa Nova’ é muito brega e tem CERTEZA que este foi um dos motivos para gente não começar a morar junto ainda este ano. Confirma?
– Ah!Entendi aonde você quer chegar. Sim, confirmo e reconfirmo. “Tã, tã, tã bati na porta, não precisa ver quem é...” me poupe. Aliás, me admira muito um historiador, um intelectual escutar, mesmo que de vez em quando, ‘Roupa Nova’. Sinceramente... eu sinto vergonha alheia. Aqui em casa este lixo, não entra. Nem tente colocar isto no meu notebook. Vai contaminá-lo. Nem tente...
– Não, não quero escutar nada não. Então, você continua afirmando que estas “coisas” como você diz e comédias românticas e apelidinhos carinhosos são artefatos sentimentalóides originados das novelas brasileiras que infantilizam e imbecializam os casais e ...
– Ô Pedro, eu quero terminar nosso almoço pode ser? Confirmo tudo. Isto tudo é uma babaquice sem fim.  Por favor, traga-me novidades.
– Pois, não! A pedidos: você pode me dizer o que significa ISTO?
De repente o namorido, com um ar altamente triunfante mostra à Valéria uma pastinha marrom, bem velha, destas com plásticos dentro. Cheia de documentos antigos...
– MINHA COLEÇÃO DE POSTERES E ALBUNS DO MENUDO!!!!!!!!!!!!! COMO? ONDE VOCÊ ENCONTROU ISTO?
– Arrá! Então, o que você tem a me dizer sobre isto, minha cara?  Menudo, hein? Logo você! Quem diria... e aí? E aí? Falsa intelectual.  Agora estou curioso. Qual era seu Menudo preferido? O gay?
– Não. Era o Ray. O loirinho. Você sabe, né eu gosto de um branquelo e... Peraí, peraí. Que que é isso? Como você encontrou minha coleção?
– Embaixo da cama. Resolvi te ajudar, fui dar uma faxina. Fui mudar o colchão de lado e daí avistei este objeto não identificado. Logo quem... tsc, tsc, tsc.  Tá pálida, amor! Que foi? Você também tem um lado brega? É isto? Relaxa. É normal.
– Pedro Augusto, tira este risinho do rosto já! Eu era uma criança. Tinha 11-12 anos. Não tinha discernimento.  Meu lado brega usa Prada! Musicalmente, eu sou um ser superior. Ao contrário de você que é um falso intelectual. Você sim é ridículo. Com tanta coisa boa para escutar prefere coisas trash. Eu não fico escutando Menudo por aí. É passado.
– kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. E porque você ainda guarda estas bugingangas? Vai lá, ‘ não se reprima’! Pode colocar um LP do Menudo na vitrola. Só ressalto que o ‘Roupa Nova’ tem CD.
– Se eu quisesse escutar Menudo eu não me reprimiria mesmo e baixaria tudo pela internet, seu jurássico. E este assunto está muito interessante, mas você vai dormir na sua casa hoje. Pra ver se pára de ser enxerido. Tchau.
– Ih! Apelou perdeu. Saiba que “eu quero ser o amigo que está sempre em seu caminho...”
– Cretino! Você leu. Esta era a música do Ray. Isto é uma invasão de privacidade. E na minha própria casa! Quanta ousadia. É por isso que eu não quero morar com você. Isto é um desrespeito, um absurdo...
– Absurdo é alguém guardar a prova do crime.
– Que crime? Guardar uma lembrança de criança. Aliás, isto deve ter sido coisa da minha mãe. Ela deve ter feito uma faxina viu isto e trouxe para cá. Só pode ser isto. Eu nem lembrava que isto existia.
– Querida, não fica deste jeito. Não precisa ficar nervosa. Eu te amo mesmo assim! Tu és um chica mui guapa!
– Pedro, some da minha frente. Agora.
– Tá bom. Tá bom. Não se fala mais nisso. Eu vou até recolocar “os documentos” no lugar. Desculpa ter lido algumas partes. Mas, que você tem lado brega, ah isso tem. Igualzinho a mim. É como na música do 'Roupa Nova':
“É! Talvez eu seja simplesmente
Como um sapato velho
Mas ainda sirvo
Se você quiser
Basta você me calçar
Que eu aqueço o frio
Dos seus pés...”
Enfim, Val, admita: eu sou a pessoa ideal pra você! (Pedro com sorrisinho de supremacia absoluta).
– ‘Roupa Nova’ não! Some daqui Pedro. Realmente você não vale um sapato velho. Desaparece.
– Saio não. Por este motivo, não. Você precisa melhorar este humor. Vamos escutar Chico Buarque, dar uns beijos, fazer umas coisas legais. Que tal? Tem um monte de coisas que sei eu você gosta e que eu sei fazer muito bem! Aí você fica tranquilinha. Vai perder o domingo? Você nem assiste futebol. E domingo é um tééééééédio. Aproveita a oferta. Eu, ao som do Chico. É pegar ou largar.
– Tudo bem,fica. Mas, dorme no sofá. Já foi muita intimidade para um dia só.  

* Namorado que dorme na casa da namorada no meio da semana e sagradamente, nos finais de semana. Faz algumas coisas de homem como abrir potes de conserva, trocar a lâmpada e matar baratas.

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